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Por Caminhos de Floresta
“Chamam-se caminhos de floresta (Holzwege).
Cada um segue separado, mas na mesma floresta.
Parece, muitas vezes, que um é igual ao outro.
Porém, apenas parece ser assim.
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos.
Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta.”
Martin Heidegger
“A obra de arte abandona o domínio da representação para se tornar «experiência», empirismo transcendental ou ciência do sensível.”
Gilles Deleuze
Por Caminhos de Floresta
Não podemos encontrar uma fórmula melhor para exprimir e localizar o trabalho de Ricardo Pistola do que a frase de Deleuze (do prólogo de Diferença e Repetição) que acima reproduzimos. De uma morada (e a da pintura é o plano) Pistola constrói um percurso lento e ponderado, motivado intuitivamente por uma disciplina sensível. As suas séries titulam-se com conceitos que definem um modelo de problematização do espaço e cada peça, individualmente, representa uma solução experimental e uma possibilidade do desenho. Nestas formulações abstractas a forma e o espaço são duas personagens interdependentes que, convolando uma em torno da outra, animam o processo de pesquisa, que pertence ao artista.
No conjunto das séries de pinturas até agora apresentadas reparamos num trabalho de maiêutica da forma, no sentido em que é contínua a figura de aparecimento do objecto; o quadro é referencial a uma possibilidade de concretização que nunca se assume como absoluta. Para além de seres (coisas, sujeitos) os objectos que animam estas telas são (do estado de ser, predicado). O empirismo em Pistola é, como em Deleuze, o misticismo do conceito e o seu matematismo. A ligação, da forma e da construção da composição, a uma produção conceptual atonal encapsula as telas do artista num mundo pessoal e íntimo, fruto de uma relação, ou diálogo sensível, entre o criador e a obra que, por detrás de uma aparente cortina de hermetismo revela um processo intelectualizado e atento às questões hodiernas e às discussões que, dos “choques” ou “crises” epistemológicas que pautam a contemporaneidade, se transferem para os nossos quotidianos.
Nas mais sólidas correntes, quer filosóficas quer científicas, a repetição, quando integra em si processos de rejeição e/ou inclusão do erro (aqui, diferença), é o elemento fundamental na criação do novo e é o único caminho que podemos admitir sem recurso a discursos corrompidos por dogma.
“Being Beings” tem, enquanto título de exposição, o valor de nos comprometer com a ideia da normalidade do ser sendo seres; de ver a vida, seja ela a dos homens como a dos objectos, como uma irresistível tautologia do ser. Este discurso não pretende ser uma imitação de um processo vivo, é uma elocução gráfica possibilitada por uma estrutura de pensamento que aceita a possibilidade da evolução como um facto incontestável e encara, em detrimento da origem, o salto e a necessidade de problematizar e experimentar a transição, como questão fundamental do conhecimento contemporâneo. Entramos, neste momento, em caminhos de floresta. O território é desconhecido porque não podíamos estar preparados para esta semelhança. Cada passada que damos compromete a possibilidade de regresso, os nossos erros, transformados em derrotas, fizeram tímidas as pretensões que tínhamos quanto à veracidade dos nossos mapas. Ontem estudávamos caminhos e imaginávamos destinos; hoje preocupamo-nos com passos enquanto tentamos perceber a obviedade do trilho.
José Roseira, 2006.
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